segunda-feira, 18 de abril de 2011

Contrariada


A dama contrariada
Cecília Meireles

Ela estava ali sentada,
do lado que faz sol-posto,
com a cabeça curvada,
um véu de sombra no rosto.
Suas mãos indo e voltando
por sobre a tapeçaria
paravam de vez em quando:
e então, acabava o dia.

Seu vestido era de linho,
cor da lua nas areias.
Em seus lábios cor de vinho
dormia a voz das sereias.
Ela bordava, cantando.
E a sua canção dizia
a história que ia ficando
por sobre a tapeçaria.

Veio um pássaro da altura
e a sombra pousou no pano,
como no mar da ventura
a vela do desengano.
Ela parou de cantar,
desfez a sombra com a mão,
depois, seguiu a bordar
na tela a sua canção.

Vieram os ventos do oceano,
roubadores de navios,
e desmancharam-lhe o pano,
remexendo-lhe nos fios.
Ela pôs as mãos por cima,
tudo compôs outra vez:
a canção pousou na rima,
e o bordado assim se fez.

Vieram as nuvens turvá-la.
Recomeçou de cantar.
No timbre da sua fala
havia um rumor de mar.
O sol dormia no fundo:
fez-se a voz, ele acordou.
Subiu para o alto do mundo.
E ela, cantando, bordou.
A dona contrariada borda seu bordado.

sábado, 16 de abril de 2011

Feminismo às avessas

Embora eu goste de algumas séries, filmes e desenhos animados, passo ao largo das programações televisivas, em geral. Explico esta minha atitude como resultado de um mix de falta de tempo e interesse somados a minha irritabilidade com o lixo que transborda. Porém, algumas vezes ouço comentários que me motivam a conferir certos absurdos ou, mais raramente, proezas televisivas. Ontem, coincidentemente ouvi em ambientes diferentes, pessoas comentando sobre uma tríade de comerciais da Bombril.
Mesmo que eu seja uma das últimas a ver a famigerada propaganda, vulgarmente difundida como feminista, quero expressar minha indignação com a empresa.
Acabei de assistir, pelo youtube, as propagandas citadas. Ri-dí-cu-lo! Imagino que tenha sido divertido para as atrizes brincarem de se transvestir e falar como um (estereótipo de) homem. Mas na (suposta) tentativa de elevar a autoestima feminina, o comercial revelou-se perverso:
1. Movimento da EVOLUÇÃO das mulheres? (Como assim?! As mulheres "evoluíram", Bombril?)
2. Mulheres precisam se vestir (uniformemente) de terno e gravata e falar com uma certa "macheza" pra serem respeitadas? (Ah...Bombril!)
3. Mulheres necessitam violentar homens para conquistar espaço??? (Estimulando guerra de sexos, Bombril?)
4. No quesito cuidados domésticos a "rainha do lar" continua tendo a última palavra, então?(Ê...Bombril...) :/
Isso parece-me um híbrido de machismo travestido com feminismo às avessas. Mais um exemplo do processo de legitimização de preconceitos entre nós.
"Oh! Cride, fala pra mãe!..."

PS: Só de raiva nem vou colocar o link dessas baboseiras aqui :(