quarta-feira, 24 de março de 2010

Ser humano. Entre Chronos e Kairos.


Sempre me incomodou a pressa, a correria, aquele olhar frenético no relógio.

Lembro-me de um tutor de certo grupo de juniores que participei na infância. Eu gostava dele, mas uma vez, ele me chamou de "tartaruga" e o apelido pegou, pelo menos por um tempo. Cruel.( Até porque eu era a mais novinha do grupo e na verdade ainda nem tinha idade para estar entre os outros...) Minha avó e minhas tias contam que quando eu era bebê era muuuito tranquila e ficava por muuuito tempo sentada num mesmo cantinho com um brinquedo nas mãos. Meu irmão, mais "objetivo"que elas (rsrs, coisa de irmão) diz que eu era uma "pata choca". Por tudo isso, sei que sou suspeita para reclamar da pressa, da correria das pessoas "normais".

Talvez por eu ser assim (especialmente de vagar) sinto que é muito desagradável e constrangedor ter que estar com alguém que faz questão de deixar claro que não tem tempo.

Naturalmente sou a favor do bom senso e da atenção ao contexto.( É fato também que algumas pessoas extrapolam o limite da cortesia, fazendo do ouvido do outro propriedade sua...).

Francamente, penso que deveria ser pré-requisito ouvir com atenção as palavras das pessoas, para quem escolhe trabalhar com elas.

Por exemplo, não consigo entender aquelas consultas médicas, sobretudo as primeiras, em que você sai com uma receita nas mãos, ou um com um diagnóstico ( geralmente de virose), depois de cinco minutos de consulta. (Talvez seja a minha ignorância na área médica, mas...)

Outro exemplo do que me quebra: aquelas respostas que chegam antes do ponto de interrogação ser posto:

- Não é estran...
- A-hã.

Um dos motivos pelos quais gosto de idosos, em geral, é esse: eles geralmente saboreiam as palavras, os momentos, as histórias. Impossível refletir sem saborear. Impossível compreender sem refletir. Impossível avaliar bem sem analisar por completo. (E quem faria essas coisas num piscar de olhos?)

Essa grosseria de escutar alguém olhando no relógio, essa deglutição cotidiana, desse mundo louco, onde as pessoas precisam correr atrás de ônibus e já começam a suar antes de chegar ao trabalho...Não! Isso é subumano, é barbarie. Não me conformo! Não- me- connn-forrr-mooo!

Ao meu ver, esse comportamento é um desrespeito pela humanidade das pessoas. Somos inferiorizados por Chronos, quando acreditamos, ou assumimos na máxima imposta pelo mercado de que "tempo é dinheiro". Como assim? Tempo é dinheiro? E dinheiro é o que? Stress? Então tempo é stress? Sim, Chronos pode ser estressante, se nos deixamos escravizar por ele.

Lamento que não temos em português uma palavra que traduza a preciosidade de Kairos. Talvez (quem sabe?) kairos fosse visto na profundidade de seu valor, se ele existisse em nosso vocabulário.

Chronos é preciso. E precisamos de Chronos para a organização da sociedade. Mas Kairos é fundamental para a qualidade de vida.

PS1: Ah...Um livro interessante que abrange o tema é: Reengenharia do Tempo, da autora carioca Rosiska Darcy de Oliveira. Diferente do meu desabafo pessoal, a educadora faz uma crítica profissional e traz dados atuais (inclusive alguns otimistas) de mudanças estruturais realizadas por alguns países (Holanda, Suécia e Itália, por ex) em prol da qualidade de vida de muitos profissionais. Animador, vale a pena!

PS2: Uma curiosidade internacional sobre essa falta de pessoas (com tempo) para ouvir, pode ser conferida nesta notícia aqui: Voluntários ouvem problemas nas ruas do Japão

OBS: A foto acima foi tirada por Alex (Sunaga). Sakuras em Ibaraki-Ken/ 2007

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