domingo, 5 de abril de 2015

Feliz Páscoa


Anunciação
I.
são tantos...

tantos os cordeiros
à tua mesa...

farta
farta ceia
de cristos
nesta páscoa...

vai...
tomai
desse sangue...

segue...
comei
desses corpos...

e nesse silêncio
de talheres
e dentes

(desligaste
o noticiário,
é evidente)

a paz
aos poucos
te preenche

oh, tão plena
comunhão!

(não há 
mais profunda 
eucaristia
que a digestão)

e se algo lá dentro
ainda te incomoda,
caso seja necessário,
confessa
- como sempre - 
no banheiro
teus pecados.

II.
quer
que eu 
saia?

não somos dignos
de entrar em vossa morada?

não vos esqueçais
consertamos vossas casas...
seguramos tuas bandejas...
ensinamos teus filhos e 
afiamos,
sim, afiamos
tuas facas...

sabemos tudo
o que aí se passa...
e como rezam a missa...

ah, vão chamar
a polícia?

nos prender?
nos matar? arrastar?
apagar? esquecer?
vão nos crucificar?

mas,
saibas...

ressuscitamos
todo santo dia
nas quebradas
(não só no terceiro)

somos Amarildos, Marighellas, Eduardos, Lamarcas...
somos Herzogs, Douglas, Heleniras, Cláudias...

estamos vivos, vivões,
em milhares de caras,
braços, olhos, falas,
corações...

e vai chegar o tempo
- teu apocalipse? -
em que vamos destruir
teu templo
e expulsar teus
vendilhões

(esses
que nos compram
e vendem como bois)

III.
come bananas...
reza teu terço...

finge
- enfim -
que não vês
nada...

mas
saibas

"não vim
trazer a paz,
mas a espada."

[À memória viva de: Helenira Rezende (1944-1972?) "desaparecida" durante a ditadura militar brasileira; Amarildo Dias de Souza (1965/66-2013?) "desaparecido" após ser levado por policiais militares da porta de sua casa; Carlos Margihella (1911-1969) assassinado pelos órgãos da ditadura brasileira; Claudia Silva Ferreira (1974-2014) arrastada por um camburão e assassinada por policiais militares; Carlos Lamarca (1937-1971) assassinado pelos órgãos da ditadura brasileira; Douglas Rafael da Silva Pereira (1989-2014) assassinado por policial militar; Vladimir Herzog (1937-1975) assassinado pelos órgãos da ditadura brasileira; Eduardo de Jesus (2005-2015) assassinado por policiais militares no Complexo do Alemão (RJ) e à memória viva de tantos outros "desaparecidos" e assassinados pela ditadura e pela democratura brasileira.]

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