quarta-feira, 23 de abril de 2008

O preço


Meu celular é praticamente mudo já que não conheço muita gente por aqui e destas, poucas têm o número dele. Na verdade meu telefone é útil por causa da escola do Victor. Podem me contactar em caso de emergência. Também é útil por causa do Alex que trabalha em outra cidade e pode querer falar comigo durante o dia.
Meus dias aqui são como meu celular, bastante silenciosos. Quase nada acontece. A vida na roça é bem pacata e os acontecimentos são bem previsíveis, com eventuais turbulências ocasionadas por questões de saúde, cocôs de gatos ou aquelas outras questões de vizinhança que já comentei em posts antigos.
Ontem foi um dia de rara aventura. Tive imprevistos. Lidei com gente.
Alex sempre me conta como é a relação dele com seus colegas de fábrica e me alerta: "Chegando ao Brasil, você vai precisar de alguns meses de reinserção social." Ele acredita que vou levar um choque ao redescobrir a vida em um grupo maior de pessoas.
O palpite do Alex é coerente.Estou mais alien a cada dia...
Excepcinalmente ontem, três pessoas tentaram telefonar para mim num período em que eu estava usando o celular com uma quarta pessoa.
Este foi o começo da diferença em meu singelo cotidiano. Mas o tumulto mesmo veio mais tarde, quando fui atrás de uma senhora que não atendia ao meu telefonema resposta...
Ela abriu a porta com olhos de raiva e me disse muitas coisas. Estava bem alterada. Acho que posso resumir as palavras que ouvi em três queixas:
1)"Por quê VOCÊ "nunca" atende aos meus telefonemas?"
2)"Por quê VOCÊ ME desmerece?"
3)"Por quê VOCÊ faz ISSO SÓ COMIGO?"
Fiquei sinceramente comovida. Expliquei para ela que, por incrível que pareça (!), eu estava com alguém ao telefone, mas que logo que foi possível eu retornei a sua ligação... Pedi desculpas pelo mal entendido. Expliquei que não era algo pessoal etc.
A "Dona" quis ver meu celular, para confirmar que eu estava mesmo atendendo uma chamada no período em que ela telefonava para mim...Embasbacada, fui entregando o aparelho para ela ao mesmo tempo em que me perguntava se isto estava mesmo acontecendo e se isto poderia estar certo em algum lugar do mundo...Pensamentos, lembranças e projeções me ocorreram em segundos...(Eu estava numa situação bem delicada.Esta senhora me socorreu numa manhã quando eu estava de vômito em vômito, numa crise aguda de dor, por causa do cálculo renal. Também se ofereceu para fazer a tradução da minha consulta no dentista. Aceitei o favor oferecido quando ela me informou -e isto não me surpreende mais por aqui- que o dentista não atende pacientes que não falam japonês, ou que estejam acompanhados por intérpretes...)
Enfim, acho que pela lei da sobrevivência, mais que pela política da boa vizinhança, eu cedi. Entreguei nas mãos da "dona" o meu celular. Ela conferiu se o que eu disse era verdade e informou à besta aqui, um novo horário de consulta.
Mais tarde, no caminho para o consultório, fui informada pela "dona" que ELA tinha providenciado a SUA filha pra cuidar do MEU filho, junto com SUA neta, durante o NOSSO compromisso...
Fiquei constrangida, agradeci e tentei explicar que o Vic ficaria bem na sala de espera, vendo revistas ou brincando. Minha opinião não fez diferença, claro.
Quando fomos deixar o Vic na casa da moça, já cheguei pedindo desculpas pelo incômodo e sua filha me falou baixinho: "Depois a gente conversa sobre a minha mãe" e deu uma piscada...
Outro dia, ouvi por aqui mesmo: "Ninguém é bonzinho. Nada é gratuito nessa vida. Nada!"
Além do japonês, tem outras coisas difíceis que estou aprendendo aqui no arrozal. Lidar com inusitados pode ser útil.


ps:Acho que eu poderia ter começado assim, hoje: "Meu querido diário..."

Um comentário:

Fatima disse...

Paciencia que juntas vamos dar um pau nesse povo. afffffffff.Ninguem merece!!!